17/05/2018

Por muito tempo, fez sucesso nas quadras de vôlei. Atualmente faz sucesso com seus artigos publicados no Estadão. 

Abaixo, mais um, no qual descortina com lucidez a tremenda estupidez que acomete parte da "intelectualidade" brasileira:


Entre Suzano e Janaúba

Por Ana Paula Henkel

Meus pesadelos mais apavorantes não poderiam imaginar a cena do crime ocorrido em Janaúba (MG) no final do ano passado. Meu coração nunca vai se recuperar totalmente do ato heroico de Heley Abreu Batista, a professora que lutou até o fim, em meio às labaredas, contra o vigia da creche que ateou fogo em várias crianças, levando dez delas, de apenas quatro anos, à morte. O inferno era ali.

A professora teve 90% do corpo queimado e também faleceu, algumas horas depois, no hospital, assim como o louco que causou a tragédia. Rezo para os três filhos que Heley deixou, que eles possam para sempre se orgulhar do exemplo, da coragem e da força da mãe. Sou mãe, mas quem sou eu, quem somos nós perto de Heley?

Há um Brasil que envergonha, mas existe também aquele que não aparece nos jornais, que não vira tema de novela, que não é mostrado na música do momento, mas que ainda nos dá esperança. Heley se sacrificou por nós, por nossos filhos, e por um povo que ainda insiste em ser moral, justo e fraterno apesar de tudo.

Lembrei da professora-mártir ao ver as imagens angustiantes da cabo da PM que enfrentou um assaltante com antecedentes criminais que agressivamente apontava uma arma para mães e crianças na porta da escola da sua filha em Suzano (SP), outra heroína brasileira devidamente homenageada não só pelo governador paulista Márcio França, mas principalmente pelo povo brasileiro. Kátia da Silva Sastre evitou uma tragédia igual ou maior do que aquela ocorrida em Minas Gerais sem que um inocente ameaçado pelo bandido fosse ferido de raspão. Viva Kátia!

O que une Heley e Kátia é o senso de dever acima da própria vida, é a recusa de assistir passivamente a crianças em claro risco de vida e cruzar os braços, terceirizando a responsabilidade de ajudar o próximo que é de todos nós. O que separa Heley e Kátia é que a policial tinha treinamento e armamento legal para enfrentar o mal. Duas mulheres admiráveis, dois exemplos, mas apenas um final feliz. Dez crianças morreram queimadas em Janaúba, nenhuma se feriu em Suzano.

Vivo num país em que o cidadão tem a permissão constitucional, sob regras e leis muito claras e bem definidas, de portar uma arma para sua proteção e de sua família. A América tem 50% a mais de habitantes que o Brasil e apenas uma fração do número de assassinatos por cem mil habitantes. Os dados são ainda mais discrepantes quando se divide por cidade, quando fica claro que regiões com leis mais restritivas, do tipo que lembram as do Brasil, não por coincidência possuem índices de violência muitas vezes superiores ao das cidades que respeitam à Segunda Emenda da Constituição.

Mesmo os malabarismos estatísticos ou o sensacionalismo ativista gerado por tragédias em zonas livres de armas não podem esconder os fatos. Onde as Kátias americanas podem proteger a si mesmas e os filhos, há muito menos crimes do que em locais onde as Heleys morrem, junto com suas crianças, desarmadas, desprotegidas e servindo de alvo para criminosos e psicopatas. As mães de Houston, no Texas, dormem mais tranquilas que as de Chicago, Illinois. Cidades parecidas, leis diferentes, resultados quase opostos. Ideologia mata.

Aqui nos EUA, a cabo Kátia Sastre está sendo tratada por todos no noticiário como heroína, uma policial que honrou sua formação e seu juramento de proteger a sociedade. Em nome da sanidade, da moral e do bom senso, prefiro não falar dos comentaristas no Brasil que, de suas torres de marfim com seguranças armados na porta, optaram vergonhosamente por fazer críticas absurdas e insensíveis à ação de Kátia. Mesmo meus amigos californianos mais à esquerda, ao verem o vídeo em que a policial consegue proteger mães e crianças atirando no homicida em potencial, não acreditaram que no Brasil haja debate sobre se ela fez o certo ou não.

O que essa gente tem na cabeça e, principalmente, no coração? Mesmo sabendo que a defesa de teses ideológicas indefensáveis conta pontos em certas redações e jantares, será que não param um segundo para pensar que crianças foram salvas por Kátia, assim como vidas são todos os dias salvas por policiais como ela, numa ação irrepreensível de uma profissional treinada e habilitada para fazer o que fez? Que tipo de gente deixamos invadir parte de nossos jornais e veículos de comunicação? Onde querem chegar com “pesquisas” sobre “se policiais de folga devem reagir a assaltos”? E bombeiros de folga, devem ou não ajudar num incêndio na escola do filho? Pior que notícias falsas, só corações falsos.

Como eu queria que Heley tivesse uma chance de realmente salvar aquelas crianças e a si própria, como fez Kátia. Meu coração se despedaça por ambas, mas hoje só posso mandar um beijo para uma delas. A outra, apenas minhas orações, reverência e admiração pelo exemplo. Kátia não apenas salvou o dia, ela também, sem saber, prestou a mais bela homenagem à memória de Heley.

O Brasil que eu quero é aquele que Heley possa, se necessário, ser Kátia por um dia.

05/05/2018

J.R. Guzzo é, no momento, uma das únicas, senão a única, voz sensata que permanece na Revista VEJA. Este seu artigo é irretocável. Mais que isso, será considerado documento histórico, qualquer que seja o desfecho para nossa cambaleante Democracia. (link para a publicação original).

O golpe em construção

Há uma guerra contra o estado de direito neste país, comandada pelas forças que não podem conviver com ele



"Responda com franqueza, por favor: se amanhã ou depois o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, fosse despejado do seu gabinete no Supremo Tribunal Federal por um terceiro-sargento do Exército, enfiado num camburão verde oliva e entregue na penitenciária da Papuda por ordem do Alto Comando das Forças Armadas, quantas lágrimas você derramaria por ele? Esqueça as lágrimas. Você, ao menos, diria alguma coisa, qualquer coisa, contra a prisão do ministro? Ou, ao contrário, acharia muito bem feito o que lhe aconteceu? Só mais uma coisa: entre Gilmar Mendes (ou Toffoli, ou Lewandowski, ou Marco Aurélio, etc.) e o general que mandou todos para o xadrez, depois de passar a chave no STF e evacuar o prédio, você ficaria ao lado de quem? Para completar o exercício, basta somar ao Supremo o Congresso Nacional inteirinho, com seus 513 deputados e 81 senadores, os 27 governadores de Estado e mais os milhares de reizinhos, sem concurso público e sem competência, nomeados para mandar na máquina pública ─ onde se dedicam a roubar o erário, para si e para os chefes, e a infernizar a sua vida. Se as Forças Armadas assumissem o governo, fechassem o Congresso e demitissem essa gente toda, de preferência mandando a maioria para o xadrez, tente calcular quantos brasileiros ficariam a favor deles e quantos ficariam a favor dos militares. Chegue então às suas conclusões.

Intervenção militar, golpe militar, regime militar, ditadura militar ─ francamente, quem gosta de falar abertamente dessas coisas? É preciso ficar contra, é claro ─ e ficar contra agora pode vir a ser um belo problema depois, se a casa acabar caindo um dia. É verdade que o cidadão que tem algum tipo de interesse em política já não sente maiores incômodos em tocar no assunto, principalmente se não tem mais paciência com o lixo que as mais altas autoridades da República produzem sem parar e depositam todos os dias na sua porta. Não chega a ser uma surpresa fenomenal, assim, que um número cada vez maior de cidadãos esteja começando a achar que seria uma boa ideia se os militares assumissem de novo o governo do Brasil para fazer uma limpeza em regra na estrebaria que é hoje a vida pública do país. Mas entre os políticos, nos meios de comunicação, nas classes intelectuais e em outros lugares onde as pessoas supostamente “entendem” dessas coisas, é um assunto que se trata como um porco-espinho ─ com extremo cuidado. É melhor não ficar comentando em voz alta, dizem. Não é o momento, não é o caso, não “se trabalha com esse cenário”. É como falar mal do defunto no velório, na frente no caixão. Tudo bem. Mas não é assobiando que se faz a assombração ir embora. Nem fazendo cara de preocupado em programas de televisão ou escrevendo artigos para solicitar aos militares, por favor, que respeitem rigorosamente a Constituição, as instituições e os monstros que ambas criaram e hoje estão soltos por aí. É preciso muito mais do que isso.

Está complicado, em primeiro lugar, porque muita gente nem acha que essa assombração é mesmo uma assombração ─ ao contrário, acha que é a equipe de resgate chegando para salvar os feridos. Quantos brasileiros, hoje, seriam a favor de uma intervenção militar? É pouco provável que os institutos de pesquisa façam a pergunta, porque têm medo de ouvir a resposta ─ mas eis aí, justamente, um indicador muito interessante. Dá para se deduzir, por ele, que uma grande parte da população receberia com uma salva de palmas as imagens de tanques rolando nas ruas e políticos, ministros supremos e empreiteiros de obras se atropelando uns aos outros para fugir pela porta dos fundos. Em segundo lugar, está complicado porque democracias só ficam de pé se elas forem vistas como um bem importante e compreensível pela maioria da população ─ e se houver um número suficiente de cidadãos dispostos, de verdade, a brigar por sua manutenção. Muito bem: quantos brasileiros acham que estão sendo realmente beneficiados, em suas vidas cotidianas, por essa democracia que veem desfilar à sua frente no noticiário de cada dia? E quantos topariam sair à rua para defender, por exemplo, os mandatos dos senadores Romero Jucá, Renan Calheiros ou Jarbas Barbalho?

O fato, que não vai embora por mais que se queira fazer de conta que “as instituições estão funcionando”, é que praticamente ninguém, no mundo político, merece o mínimo respeito do cidadão hoje em dia. Honestamente: alguém seria capaz de dizer o contrário? Se os encarregados de manter o regime democrático em funcionamento se desmoralizam todos os dias, e desprezam abertamente as regras da democracia com a sua conduta criminosa, fica difícil supor que está tudo bem. Nossas autoridades “constituídas” acham que está. Como a Constituição diz que é proibido fechar o Supremo, o Congresso, etc., imaginam que podem continuar fazendo qualquer barbaridade que lhes passar na cabeça. Imaginam que os militares, informados de que existe uma “cláusula pétrea” mandando o Brasil ser uma democracia, se veriam obrigados, por isso, a continuar assistindo em silêncio a anarquia promovida diante de seus olhos por magistrados do STF, ministros de Estado, líderes parlamentares e os demais peixes graúdos que têm a obrigação de sustentar o cumprimento das leis ─ mas vivem em pleno colapso moral e não conseguem mais segurar no chão nem uma barraca de praia.

É cansativo ouvir, mais uma vez, que a democracia é uma coisa e as pessoas que ocupam os cargos de governo são outra. Não se deve confundir as duas, reza a doutrina, pois nesse caso um regime democrático só poderia existir numa sociedade de homens justos, racionais e bondosos; se as pessoas que mandam estão mandando mal, a solução é substituí-las por outras através de eleições, processos na Justiça e demais mecanismos previstos na lei. Mas o Brasil está fazendo mais ou menos isso desde 1985, e até agora não deu certo. Alguém tem alguma previsão sobre quanto tempo ainda será preciso esperar? A democracia brasileira faliu; é possível que nunca tenha tido chances reais de existir, por insuficiência de gente realmente disposta a praticá-la, mas o fato é que estão tentando fazer o motor pegar há mais de 30 anos, e ele não pega. Talvez ainda desse para ir tocando adiante por mais tempo, com um remendo aqui e outro ali. Acontece que neste momento, justamente, há muito menos esforço para escorar o que está bambo do que para tacar fogo na casa inteira.

A questão central, curiosamente, é a manutenção da lei. Nove em dez golpes, ou nove e meio, são dados por quem tem a força armada e quer mandar a lei para o espaço. Aqui parece estar se montando o contrário. Os militares dizem, como deu a entender semanas atrás o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, que exigem o cumprimento da Constituição e das leis penais para continuar nos quartéis. Quem está querendo abolir a aplicação da lei são os que não têm as armas, mas chegaram à conclusão que não conseguem sobreviver se forem mantidas as regras atuais da democracia brasileira. Está mais do que claro de quem se trata. Trata-se, em primeiro lugar, do ex-presidente Lula, do PT e dos seus partidos auxiliares. Em segundo lugar vem o populoso cardume de políticos, de qualquer partido, que estão fugindo da Justiça penal por prática de corrupção e outros crimes ─ são centenas de indivíduos, literalmente. Em terceiro lugar, fechando a trindade, estão as empreiteiras de obras públicas, fornecedores do governo e o restante das gangues que vivem de roubar o Tesouro Nacional. Todos estes precisam desesperadamente de uma virada de mesa que solte Lula da prisão, salve da linha de tiro os ladrões ameaçados pela lei e devolva condições normais de operação para o negócio da ladroagem de dinheiro público em geral.

O último esforço em seu favor foi essa grosseira ofensiva dos ministros Toffoli, Lewandowski e Gilmar para tirar Lula da prisão, suprimir provas dos processos criminais que ele tem pela frente, anular sua condenação, impedir o trabalho do juiz Sérgio Moro ─ em suma, fraudar a Justiça penal brasileira numa trapaça de escala realmente monumental, com o vago objetivo de “zerar tudo”. É o sonho de Lula e seus advogados milionários de Brasília, do Complexo PT-PSOL-PCdoB etc., e de dez entre dez ladrões sob ameaça de punição: declarar a Operação Lava Jato ilegal, sumir com tudo o que ela já fez, está fazendo ou vai fazer e demitir o juiz Moro a bem do serviço público, junto com todos os magistrados que combatem a corrupção no Brasil. Eles não dizem isso, é claro: sua conversa é que estão aplicando o embargo dos embargos de agravo teratológico com efeito suspensório, diante da combinação hermenêutica de mutatis mutandisinterlocutórios com ora pro nobis infringentes. Não perca o seu tempo com o vodu jurídico do STF sobre “direito de defesa” que a mídia repassa a você com casca e tudo: é pura tapeação para ver se soltam Lula da cadeia e ajudam a ladroagem ─ primeiro para que ela escape da penitenciária e, em seguida, para permitir que continue roubando em paz.

É disso que se trata. Há, simplesmente, uma guerra contra o estado de direito neste país, comandada pelas forças que não podem conviver com ele. Lula e o seu sistema de apoio não querem a democracia. Recusam-se, abertamente, a cumprir a lei e a aceitar decisões legítimas da Justiça; sabem que não têm futuro num regime democrático, com poderes independentes, Lava Jato, imprensa livre e o restante do pacote. Estar no governo, para essa gente, não é a mesma coisa que seria para você. Eles precisam estar no governo. Não só para ter empregos, fazer negócios e ganhar dinheiro da Odebrecht, mas porque enfiar-se no poder é a diferença entre estar dentro ou fora da cadeia. É por isso que os senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, entre outros, se agitam tanto. Se as leis continuarem a ser normalmente aplicadas, podem ter diante de si, em breve, ações penais duríssimas. É por isso que o deputado Wadih Damous, também do PT, disse outro dia que “é preciso fechar o Supremo Tribunal Federal” ─ depois de reconhecer que o ministro Gilmar é um “aliado” do partido. (O deputado não esclareceu o que pretende fazer com ele, mais os Toffolis, Lewandowiskis e similares, depois de fechar o STF.)

O mundo político e a elite, caídos de quatro no chão, olham em silêncio para tudo isso, aterrorizados por Lula e assustados com a voz da tropa. Quando quiserem reclamar, podem se ver reclamando tarde demais e em muito pouca companhia."