Por muito tempo, fez sucesso nas quadras de vôlei. Atualmente faz sucesso com seus artigos publicados no Estadão.
Abaixo, mais um, no qual descortina com lucidez a tremenda estupidez que acomete parte da "intelectualidade" brasileira:
Entre Suzano e Janaúba
Por Ana Paula Henkel
15 Maio 2018 | 17h20 (link para o original publicado no Estadão)
Meus pesadelos mais apavorantes não poderiam imaginar a cena
do crime ocorrido em Janaúba (MG) no final do ano passado. Meu coração nunca
vai se recuperar totalmente do ato heroico de Heley Abreu Batista, a professora
que lutou até o fim, em meio às labaredas, contra o vigia da creche que ateou
fogo em várias crianças, levando dez delas, de apenas quatro anos, à morte. O
inferno era ali.
A professora teve 90% do corpo queimado e também faleceu,
algumas horas depois, no hospital, assim como o louco que causou a tragédia.
Rezo para os três filhos que Heley deixou, que eles possam para sempre se
orgulhar do exemplo, da coragem e da força da mãe. Sou mãe, mas quem sou eu,
quem somos nós perto de Heley?
Há um Brasil que envergonha, mas existe também aquele que não
aparece nos jornais, que não vira tema de novela, que não é mostrado na música
do momento, mas que ainda nos dá esperança. Heley se sacrificou por nós, por
nossos filhos, e por um povo que ainda insiste em ser moral, justo e fraterno
apesar de tudo.
Lembrei da professora-mártir ao ver as imagens angustiantes
da cabo da PM que enfrentou um assaltante com antecedentes criminais que
agressivamente apontava uma arma para mães e crianças na porta da escola da sua
filha em Suzano (SP), outra heroína brasileira devidamente homenageada não só
pelo governador paulista Márcio França, mas principalmente pelo povo
brasileiro. Kátia da Silva Sastre evitou uma tragédia igual ou maior do que
aquela ocorrida em Minas Gerais sem que um inocente ameaçado pelo bandido fosse
ferido de raspão. Viva Kátia!
O que une Heley e Kátia é o senso de dever acima da própria
vida, é a recusa de assistir passivamente a crianças em claro risco de vida e
cruzar os braços, terceirizando a responsabilidade de ajudar o próximo que é de
todos nós. O que separa Heley e Kátia é que a policial tinha treinamento e
armamento legal para enfrentar o mal. Duas mulheres admiráveis, dois exemplos,
mas apenas um final feliz. Dez crianças morreram queimadas em Janaúba, nenhuma
se feriu em Suzano.
Vivo num país em que o cidadão tem a permissão
constitucional, sob regras e leis muito claras e bem definidas, de portar uma
arma para sua proteção e de sua família. A América tem 50% a mais de habitantes
que o Brasil e apenas uma fração do número de assassinatos por cem mil
habitantes. Os dados são ainda mais discrepantes quando se divide por cidade,
quando fica claro que regiões com leis mais restritivas, do tipo que lembram as
do Brasil, não por coincidência possuem índices de violência muitas vezes
superiores ao das cidades que respeitam à Segunda Emenda da Constituição.
Mesmo os malabarismos estatísticos ou o sensacionalismo
ativista gerado por tragédias em zonas livres de armas não podem esconder os
fatos. Onde as Kátias americanas podem proteger a si mesmas e os filhos, há
muito menos crimes do que em locais onde as Heleys morrem, junto com suas
crianças, desarmadas, desprotegidas e servindo de alvo para criminosos e
psicopatas. As mães de Houston, no Texas, dormem mais tranquilas que as de
Chicago, Illinois. Cidades parecidas, leis diferentes, resultados quase
opostos. Ideologia mata.
Aqui nos EUA, a cabo Kátia Sastre está sendo tratada por
todos no noticiário como heroína, uma policial que honrou sua formação e seu
juramento de proteger a sociedade. Em nome da sanidade, da moral e do bom
senso, prefiro não falar dos comentaristas no Brasil que, de suas torres de
marfim com seguranças armados na porta, optaram vergonhosamente por fazer
críticas absurdas e insensíveis à ação de Kátia. Mesmo meus amigos californianos
mais à esquerda, ao verem o vídeo em que a policial consegue proteger mães e
crianças atirando no homicida em potencial, não acreditaram que no Brasil haja
debate sobre se ela fez o certo ou não.
O que essa gente tem na cabeça e, principalmente, no
coração? Mesmo sabendo que a defesa de teses ideológicas indefensáveis conta
pontos em certas redações e jantares, será que não param um segundo para pensar
que crianças foram salvas por Kátia, assim como vidas são todos os dias salvas
por policiais como ela, numa ação irrepreensível de uma profissional treinada e
habilitada para fazer o que fez? Que tipo de gente deixamos invadir parte de
nossos jornais e veículos de comunicação? Onde querem chegar com “pesquisas”
sobre “se policiais de folga devem reagir a assaltos”? E bombeiros de folga,
devem ou não ajudar num incêndio na escola do filho? Pior que notícias falsas,
só corações falsos.
Como eu queria que Heley tivesse uma chance de realmente
salvar aquelas crianças e a si própria, como fez Kátia. Meu coração se
despedaça por ambas, mas hoje só posso mandar um beijo para uma delas. A outra,
apenas minhas orações, reverência e admiração pelo exemplo. Kátia não apenas
salvou o dia, ela também, sem saber, prestou a mais bela homenagem à memória de
Heley.